quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Sala de hospital


- ai ai ai ai... ele dizia sem pausas.

um senhor que aparentava ter uns 75 anos de idade. ele estava em uma cama ao lado da minha, com duas mulheres em pé ao seu lado. uma delas reclamou dos seus gemidos e disse que ele era um doente muito chato. um enfermeiro chegou e o perguntou porque ele estava gemendo tanto. ele respondeu que estava doendo. o enfermeiro fez as seguintes perguntas: "onde dói?" "a cabeça está doendo?" "os braços estão doendo?" "as pernas estão doendo?". para todas as perguntas ele esperou uma resposta, que foi a mesma para todas: "tudo".

eu estava sob efeito de calmantes e não sei dizer exatamente quanto tempo os gemidos duraram. em um certo momento ele se cansou, fechou os olhos e a boca. uma das mulheres que estava ao seu lado, o chamou: "Anuel!?". seu nome era Anuel. Anuel não respondeu, ela foi até o corredor e gritou: "Doutor, pode vir aqui?". alguém chegou conferindo sua pulsação no pescoço e a correria começou. entraram cerca de 6 pessoas da equipe médica na sala e começaram os processos de reanimação. bem ao meu lado, naquela sala tão pequena que eu não precisaria esticar os braços para conseguir tocar um dos médicos.

alguém tocou nos meus pés, quando olhei vi uma mulher fazendo sinal, me chamando para ir para o lado de fora. os calmantes estavam tão fortes no meu organismo que eu não tive forças para me mover. balancei a cabeça negando e apaguei. enquanto a equipe médica tentava acordar Anuel, eu, com a minha impotência, dormi. quando acordei tentei descobrir quanto tempo meu sono durou. a equipe médica já não estava mais dentro da sala. e quando eu olhei para o lado, havia um corpo coberto com um lençol. me dei conta de que só eu tinha acordado. Anuel dormira para sempre.

podendo estar em qualquer outro lugar do mundo, fazendo qualquer outra coisa, eu estava ali. podendo estar em qualquer outro hospital de Buenos Aires, ou em qualquer outra sala daquele mesmo hospital, Anuel estava ali. eu presenciei o triste e, ao que pareceu, doloroso fim de Anuel. para Anuel,eu fui apenas uma colega de sala, que em meio a distrações com as dores, fui despercebida.

Anuel não passou despercebido para mim e nem para muitos que estavam no hospital, já que seus gemidos eram altos e constantes. mas não foram seus gemidos que me marcaram. o que me marcou foi termos adormecido com diferença de minutos e apenas um de nós ter acordado para contar história. e para a sorte de Anuel, eu escrevo contando histórias. e deixo registrado aqui o dia em que a dor venceu um guerreiro e o meu despertar, mais do que nunca, se tornou gratidão.

26 de julho de 2019.
agradeça!

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